Em tempos de reformulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares da Educação Básica, o primeiro termo que surge em nossos pensamentos é a BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Este documento está orientado pelos “princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. Isto significa que além de um indivíduo capacitado em conhecimentos e habilidades que abrangem conteúdos técnicos, precisamos formar seres humanos que percebam e compreendam a sociedade na qual estão inseridos, saibam usufruir de seus direitos civis e políticos e possam desempenhar seus deveres como membros dela.
Parece poético demais estimular diversos estudantes a vencerem os estereótipos e preconceitos criados ao longo de sua vivência, mesmo curta, em uma sociedade onde os próprios adultos ainda precisam desenvolver competências e habilidades que nos guiem para uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Estamos todos no mesmo barco. Fora de nossa zona de conforto, somos todos bichos do mato.
Segundo o dicionário online de português, bicho do mato é o indivíduo que se esquiva do convívio social e, segundo o poeta português Bocage, se você tem “nu”, sim, você sente medo. Medo foi, é e, provavelmente, sempre será essencial para nossa sobrevivência. Tememos o desconhecido: o que se esconde em um cômodo sem luz, a surpresa que nos espera a cada esquina, o gosto de um prato diferente. Não somos os únicos a ter medo. Os vídeos com jovens cães descendo escadas pela primeira vez e estudos científicos com predadores, recusando presas que eles nunca viram anteriormente, são exemplos disso.
Para muitos de nós, as escolas simulam bem o frio na barriga que temos ao nos depararmos com beco escuro. Elas são lugares em que pessoas com origens diversas saem de seus mundos privados, seus matinhos particulares, e são reunidas compulsoriamente em um ambiente comum. Pesquisas mostram que a diversidade social em um grupo pode causar desconforto, interações mais difíceis, falta de confiança, maior conflito interpessoal, menor comunicação, menor coesão, maior preocupação com desrespeito e outros problemas. Diante disso e, se medo salva vidas, será que enfrentá-lo é a solução, minha gente?!
A resposta é SIM!!! A melhor maneira de combater o medo do diferente é proporcionar aos alunos evidências amplas de que as pessoas que não se parecem com eles são, em essência, pessoas como eles. As consequências para a vida adulta, de não enfrentar esse medo, é a amplificação da discriminação. A proliferação de atentados de cunho religioso, a volta de ideias neonazistas, perseguição e espancamentos filmados de transexuais. A coisa não para por aí. De acordo com o IBGE, as mulheres ganham em média 40% menos do que os homens, independentemente do nível de estudo (na verdade a diferença aumenta quando comparamos pessoas que estudaram mais). A mesma análise pode ser feita do ponto de vista racial, a média de salários entre negros formados é 47% menor do que a dos brancos. O desemprego atinge 14,4% dos negros; 14,1% dos pardos e cai para 9,5% entre brancos. Dados para outras minorias? Difíceis de achar!
Conviver com o diferente permite deixarmos os julgamentos de lado e passarmos a aprender com ele. Estudos mostram que crianças pequenas que convivem de forma harmônica com o diferente não percebem a diferença. É só lembrar-se do menininho branco que raspou a cabeça para ficar igual ao amiguinho preto e enganar a professora. A convivência faz com que as características em comum sobressaiam às diferenças.
A outra grande vantagem é que ambientes diversos nos deixam mais inteligentes! Trabalhos feitos por psicólogos da universidade de Stanford, nos EUA, mostraram que quanto mais diverso o grupo de estudo mais precisa é a tomada de decisões. Segundo os autores desse trabalho, a presença de outros pontos de vista nos faz questionar mais, melhorando a qualidade do que foi produzido. Os resultados foram os mesmos quando levaram em consideração diferentes raças, gêneros e até partidos políticos.
O mundo é diverso e o Brasil nasceu e cresceu banhado em toda a diversidade humana que esse mundo podia oferecer. Como as correntes marítimas, legiões de imigrantes chegaram ao território encontrado pelos europeus em 1500, e se fundiram aos seus habitantes locais. Quando me perguntam “qual é o papel da educação na diversidade” só uma resposta me vem à mente: a importância do papel da diversidade na educação. Lendo um texto do escritor e filósofo espanhol Fernando Savater, percebi que é a diversidade de ideias que promove o desenvolvimento do ato de raciocinar e isso só ocorre por meio da interação, da comunicação. Segundo ele, “não só temos que ser capazes de exercer a razão em nossas argumentações como também – e isso é muito importante e, talvez, mais difícil ainda – devemos desenvolver a capacidade de ser convencidos pelas melhores razões, venham de quem vierem”.
Para prepararmos nossas crianças para um mundo tão diverso e, por vezes, adverso, voto sim pela diversidade nas salas de aula!
Kamila Massuda
Profa. Kamila. O seu texto é preciso e muito corrobora para o que a Doctus acredita. Que a escola seja um espaço de integração, não só de conceitos diversos, mas de pessoas diversas, de ideias diversas, de metodologias e tecnologias diversas.
Só assim, estaremos munidos da visão ampla e não míope do processo educacional.
Parabéns e vamos em frente!
Abraços,